domingo, 31 de janeiro de 2010

Na padaria



Ele estava sentado no canto da saleta, calças num tom claro de marrom, camisa de linho branca, óculos de aros pretos e quadrados. Olhava atento em minha direção.
- Quem está aí? A terapeuta me perguntava insistentemente. Eu, de olhos fechados, não tinha e menor idéia e nem vontade pra responder. Mesmo assim o fiz.
- Um homem, ele está sentado e usa óculos.
- O que ele quer?
Imagine se eu sabia...nem mesmo acreditava em tal presença, ele era um homem ali sentado e ponto final. Na minha infância vivia enxergando fantasmas e isso irritava profundamente minha mãe. Foi ela quem (aos gritos) me persuadiu a nunca mais falar com eles. Disse que eram frutos da imaginação. Todos os dias ela repetia que eu era mentirosa, quando é que iria me emendar? Aos poucos fui distorcendo a alma vidente, destruindo a fé nas minhas visões e me tornei cética em relação ao mundo invisível. Se é invisível, logo, não existe!
Mas hoje o homem estava ali, me olhando atônito e não fazia a menor menção em se retirar. A terapeuta o percebia, cruz credo!, os psiquiatras são mais loucos que a gente. Por fim, achei mais fácil fingir que acreditava naquela presença. Então escutei claramente tudo o que ele veio pra me dizer.
- Como assim? Como assim? Eu posso escrever? Eu sei fazer isso? Sou uma escritora, há milênios essa tem sido a minha tarefa. Porque este é o meu trabalho, sou muito boa nisso!
A coisa aqui agora é só comigo, ninguém interrompe o fantasma e se fez silêncio absoluto na pequena saleta.
A terapeuta havia se mudado pra esse consultório há poucos dias e o aconchegante ambiente ainda não havia ainda recebido o rodapé. Ele olhou para a irregularidade da parede e me perguntou o que eu achava daquilo.
-Sei lá, respondi. Na verdade eu não achava absolutamente nada.
-Se o senhor pretence ao mundo invisível deve saber que eu pedi pra me retirar. Não tenho mais vontade ou planos pra permanecer aqui na Terra. Quanto a discutir decoração, faça-me o favor...
A terapeuta diz: - Estou um pouco incomodada com esse rodapé inacabado...explicou o porquê da coisa...eu fiquei atônita porque ela estava ouvindo tudo, ou intuiu o que dá no mesmo.
Pantaleão, esse era o nome dele perguntou se eu poderia voltar a ter fé na vida, fé no homem e fé no que será.
-Não, eu respondi.
Ele então me propôs um trato: se eu aceitasse publicar esse estória maluca em troca eu receberia a senha e os códigos para a passagem.
-Sem dor?
-Sim, sim...respondeu ele, como quiser.
Então vamos lá escrever o que virá.

Saí da terapia de saco na lua. Aquela havia sido mais uma tarde chuvosa e o bilhete ardia de expectativas ao lado, no banco do carro. Inventei aquela estória boba sobre um fantasma pra minha analista...pobre mulher... será que ela já sabe com quem está lidando?...e apenas insiste em continuar com essas sessões pra levar uma grana minha. Dane-se...sei lá... no momento pouco importa.
-Ligo pra ele? Não....sim...não...sim!!!
Ele, no caso, alguém que desconheço... mas deixou um cartão com um bilhete assim:

Eu achei vc muito bonita!!
Se vc for solteira, liga pra mim q vc vai conhecer um cara bonitão!

Hummmm...ligo, ligo sim!



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